07 junho 2006

Re/pensar

Caros,
Estava procurando algo para postar nesse blog e encontrei um texto que tinha feito em 2004 sobre o EAD. Acho que podemos discutir muitas coisas a partir dele, eu mesmo vejo muitas críticas sobre o que pensava ser esta nova relação ensino-aprendizagem. Muitas opiniões mudaram, outras críticas acho que continuam pertinentes.
Estou postando o texto e depois vou fazer minha contribuição, espero que vocês também possam utilizar-se dele para aprofundar questões.

Renato Avellar de Albuquerque. 09/2004

Educação Continuada: A ponte entre os saberes, o caminho da transformação.

No cotidiano da universidade, percebemos os grandes investimentos feitos a cada dia na busca de novas respostas para os problemas que atingem a sociedade. Não digo apenas investimentos em termos de capitais materiais, que andam cada vez mais escassos nas universidades públicas, mas acima de tudo, esforços intelectuais para a contínua reflexão dos saberes e práticas eficazes de socialização destes conhecimentos. Uma das formas de proliferação destes saberes recai sobre a formação de professores, que, no exercício de sua profissão, irão inserir os jovens de uma maneira específica nas estruturas sociais, onde estes conhecimentos serão as suas ferramentas de diálogo enquanto membro de uma sociedade.
Portanto, o profissional que se afasta da convivência no espaço universitário depois de formado – descartando a necessidade de dizer que não se trata somente de uma distância física – afasta-se também das trocas de saberes circulantes nesses centros, por excelência, de desenvolvimento do conhecimento. Produz-se, por um lado, o afastamento das bases reais de funcionamento da sociedade, por parte dos teóricos instalados nas universidades, por outro, dos profissionais que atuam diretamente na formação escolar. A ampliação do conhecimento científico necessita, portanto, de potencializar os canais de comunicação entre o saber teórico e o saber prático.
Este texto pretende refletir sobre a questão da formação de educadores, inserindo a discussão sobre a necessidade e possibilidade do ensino continuado nas atividades dos professores, visando a ampliação da qualidade do ensino, a maior possibilidade de experimentação dos novos conhecimentos construídos, diálogo entre escola-universidade e o desenvolvimento social de forma generalizada.
Nos últimos tempos, o Curso de História da Universidade Federal Fluminense tem questionado a adesão, por parte do departamento, no consórcio CEDERJ. Esta atitude política esconde vários questionamentos relevantes sobre a qualidade de ensino, e mais incisivamente, sobre o investimento governamental na universidade pública e sua produção, sob uma estrutura massificada, de professores a baixo custo. No entanto, o modelo de ensino à distância proposto pelo CEDERJ poderia, ao invés de servir de subterfúgio estatístico para índices de IDH da UNESCO, proporcionar um canal de comunicação entre as escolas e a universidade, por meio de grupos de estudo, abrindo a possibilidade de ingresso, ou volta, de milhares de professores – já há tempos fora das discussões universitárias.
Os professores têm sofrido uma progressiva desvalorização em nossa sociedade, seja pelos níveis salariais ou mesmo em suas condições de trabalho, dificultando o exercício de sua profissão e despertando um limitadíssimo interesse dos jovens a ingressarem nesta carreira tão digna. Portanto, a desvalorização do profissional acarreta na conseqüente desvalorização da profissão; logo esta, de tão fundamental importância na transformação da sociedade. Os baixos salários pagos aos professores obrigam-nos a ocupar grande parte do seu tempo com aulas ministradas em várias escolas. Somando-se ao tempo despendido com a preparação destas aulas, a sobrecarga da atividade mecânica pelo professor não possibilita que o profissional busque a qualificação contínua, mantendo o elo que cada professor formado deve, a sua maneira, formar com a universidade.
Este tempo, que o profissional dedica-se a construção e socialização do saber, faz parte também de sua atividade profissional, portanto deve contar na carga horária cumprida pelo professor. Por força de seu baixo salário, ele é obrigado a vender este tempo – reservado ao aprimoramento da atividade cognitiva – em forma de trabalho mecânico, ou poderíamos dizer, aulas ministradas com as turmas. Existem, portanto, professores trabalhando o dobro para prover seu sustento, ocupando as vagas que poderiam estar sendo preenchidas com os milhares de novos professores que a cada ano são lançados no mercado de trabalho. Assim, a formação quantitativa, sem a absorção pelo mercado de trabalho, aprofunda ainda mais o desequilíbrio da demanda de vagas e oferta de professores, que força o baixo preço da carreira de professor e da má qualidade no ensino.
Atualmente vivemos a expectativa sobre a finalização da Reforma Universitária, que deveria ser um projeto para a alteração das normas educacionais no Brasil. Na proposta do MEC está o ponto referente ao ensino à distância, defendida pelo Governo[1] e em pleno funcionamento nas universidades públicas[2]. O maior questionamento ao método proposto é justamente sobre a qualidade na formação do profissional que, a priori, tem se restringido à formação do profissional docente. Esta situação política apresentada pode caminhar no sentido de dois desdobramentos:

1- Os cursos à distância promoverão um ensino massificado, onde não importa muito a qualidade, desde que em quantidade, o que irá desvalorizar de vez a carreira de professor, fazendo com que cada vez mais tenha que tornar seu tempo reservado ao aprimoramento do saber em tempo disponível para o exercício “mecânico do professor”, ou seja, o professor em sala de aula. Portanto, ele não mais constrói o saber, mas apenas consome um saber produzido por outros.
2- Este novo método de ensino, que dentro de suas limitações, pode ser usado como forma de reestruturar o canal de articulação contínua do professor na escola, com as discussões dos saberes acadêmicos, de forma a abranger grande parte dos professores que não possuem possibilidade de estarem presencialmente dentro deste espaço.

Sendo o curso à distância tão abrangente, possibilitando o acesso de grande número de pessoas – com a conveniência de poder ser implementado pelo governo com baixos custos – deveria ser agregado às atividades de extensão promovidos pelas universidades, mantendo o professor que se encontra no mercado de trabalho, em permanente contato com a produção acadêmica e para ela contribuindo. Utilizando-se dos dados retirados da revista Movimento[3] sobre ensino à distância, constatamos que a relação professor-aluno é impressionante; No curso de Matemática, para 1.200 alunos são necessários 20 professores e 45 tutores. Fazendo uma comparação com o curso presencial de História na mesma instituição, para atender, de forma já deficitária, cerca de 750 alunos são necessários 50 professores[4].
O mesmo artigo diz: “Há dois anos, a portaria do MEC nº 2.253, de 18 de outubro de 2001, conhecida como a ‘dos 20%’, apresenta incentivos à graduação online, pois permite que as instituições de ensino superior ofereçam até 20% de suas disciplinas regulares na modalidade à distância”. Em se tratando de matemática, podemos inferir, pela regra de três, que se a UFF cumpre a portaria nº 2.253, o Curso de Matemática regular, ou presencial, possui cerca de 6.000 alunos. O que não é a verdade, claro.
A ampla formação de professores com baixo nível de convivência nas salas de aula, e dos ambientes acadêmicos, poderá fazer com que grande parte destes profissionais online não desenvolva a enriquecedora formação social vivenciada na universidade. Estas são necessárias em sala de aula, atividades políticas, para ensinar cidadania, em todas as relações sensitivas que os seres humanos experimentam no contato presencial. A vivência é necessária para exercer esta função tão complexa que é o ensino.
Portanto, na formação do docente é necessário o contato intenso, que requer impressões sensitivas com o meio, componente deste saber específico, para justamente ampliar os seus saberes sociais. Uma vez estabelecendo vínculos entre os professores, estes novos sócios do saber farão parte de uma rede ainda maior, produzida pela convergência expressa na universidade. A formação universitária é produtora de conhecimento enquanto redes de comunicação e socialização sobre a atividade do saber, e não só a partilha do banco de dados que representa apenas uma parte de todo o Capital Intelectual da nossa sociedade.
O método de ensino à distância pode ser usado como administrador das atividades de desenvolvimento contínuo, pois o professor mantém ou intensifica o prévio contato com o centro das atividades de Ensino-Pesquisa-Extensão, que deve caracterizar a formação acadêmica, podendo formar um professor-pesquisador e um agente socialmente ativo. Não acredito, contudo, que estas relações podem ser criadas estritamente online, pela via informal, pois aí reside a ausência da formação humana, e, principalmente, da construção e socialização dos valores coletivos, formadores da cultura.

Assim, precisamos de professores mais qualificados, sendo para isso necessário o aumento dos seus salários, para que não tenha que vender o seu tempo de capitalização do saber científico, podendo efetivamente continuar sempre a qualificar-se, promovendo o aumento da qualidade no ensino das escolas de uma maneira geral. O aumento em número de professores não vai resolver o problema da Educação no Brasil[5], mas pelo contrário, tornar a atividade de professor ainda mais desvalorizada e totalmente dependente de um conhecimento cada vez mais distante de sua realidade, e que não sendo produzida por ele, torna-se facilmente um produto de consumo. O método de ensino à distância está em vias de ser ampliado para o ensino superior, é ponto de pauta da Reforma Universitária. Este método pode servir para qualificar, aumentando os gastos, ou quantificar, diminuindo os gastos. Depende em que sentido ela será usada, na formação ou na qualificação, na socialização dos saberes ou apenas na mercantilização de títulos diplomáticos.

[1] Debate ocorrido dia 29 de setembro de 2004, no Seminário Universidade Brasileira realizado na UFF, com a presença do representante do MEC, profº Willian Campos.
[2] Debates sobre Ensino à Distância, com a presença do vice-presidente do CEDERJ, e coordenador do curso de Matemática à distância da UFF, profº Celso Costa.
[3] Movimento UFF, Publicação da Universidade Federal Fluminense – nº 149, pág 10. “Educação à Distância: UFF é pioneira no Brasil a oferecer curso de graduação ‘online’”.
[4] Desconheço o número de monitores, que eqüivalem ao tutores.
[5] Procure informar-se da relação candidato-vaga nos concursos para professores do Estado do Rio de Janeiro, verá que não existe falta de professores. Minha constatação, embora não tenha dados exatos, foi de uma média de 30 candidato para cada vaga.

2 Comments:

At 10:12 AM, Blogger Renato Avellar said...

Continuo achando que a política de formação de professores em descompasso com o planejamento das formas de expansão nas vagas para professores, cria um grave entrave para as implementações das mudanças na educação. Através das renovação dos quadros de professores chegam às escolas muitas das idéias que circulam pelas universidades. Outro caminho seria a educação continuada, embora políticas de estímulo ao aprimoramento do professor ainda seja algo não generalizado.

 
At 4:03 AM, Blogger Renato Avellar said...

Minha contestação ao texto reside em um principal fato: O autor, ego superado pelos anos, considerou ensino a distância como sinônimo de ensino de baixa qualidade, o que a participação em um projeto bem elaborado de EAD mostrou que não. Embora as formas de interação didática sejam diferentes do curso presencial, a intensidade das interações pode ser igual ou maior, sem contar a qualidade dessa interação. Disso depende não só o currículo, mas também as formas com que o conhecimento pode ser desenvolvido.
A palavra “massificada” pode ser cabível apenas em termos de abrangência, com grande incorporação, como qualificação inclusiva, mas não pode ser aplicada como educação homogeneizadora. Isso não é resultado da forma de aprendizagem, a Educação que padroniza é resultado de uma posição epistemológica sobre educação que pode estar tanto na educação presencial quanto do EAD.
Por outro lado, o curso do PEAD UFRGS atende uma expectativa do texto, a de qualificação dos professores em um processo de ensino continuado, na medida em que os alunos são também professores da rede. Esta relação, portanto, deve ser pesada não somente em seu aspecto mercadológico, mas em um processo de aumento na qualificação do corpo social, necessário sob quaisquer aspectos.

 

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